quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Edifício paz e segurança : nova partilha d’África !

Manlio Dinucci (Il Manifesto)
quarta-feira, 24 de agosto de 2011 | 09:25
Fogiram da Líbia não apenas famílias que temem pelas suas vidas e imigrantes pobres de outros países norte-africanos. Há dezenas de milhares de “refugiados” que foram repatriados pelos seus governos por meio de navios e aviões, principalmente engenheiros, funcionários e executivos de grandes companhias de petróleo.
Não só a ENI, a qual realizava cerca de 15 por cento das suas vendas a partir da Líbia, mas também outras multinacionais europeias – em particular, a BP, Royal Dutch Shell, Total, BASF, Statoil, Repsol. Centenas de empregados da Gazprom foram também forçados a deixar a Líbia e mais de 30 mil trabalhadores chineses da sua companhia de petróleo e de construção. Uma imagem simbólica de como a economia líbia está interconectada com a economia global, dominada pelas multinacionais.
Graças às suas ricas reservas de petróleo e gás natural, a Líbia tinha um comércio exterior de US$ 27 bilhões por ano e um rendimento per capita médio de US$ 12 mil, seis vezes maior que o do Egito. Apesar de fortes diferenças entre rendimentos altos e baixos, o padrão de vida médio da população da Líbia (apenas 6,5 milhões de habitantes, em comparação com os cerca de 85 milhões no Egito) é, portanto, mais elevado do que o do Egito e de outros países da África do Norte.
Testemunho disso é o fato de que cerca de um milhão e meio de imigrantes, principalmente norte-africanos, trabalham na Líbia. Uns 85 por cento das exportações líbias de energia vêm para a Europa: a Itália em primeiro lugar com 37 por cento, seguida pela Alemanha, França e China. A Itália também está em primeiro lugar em exportações para a Líbia, seguida pela China, Turquia e Alemanha.
Esta estrutura agora explodiu, devido ao que pode ser caracterizado não como uma revolta das massas empobrecidas, tal como as rebeliões no Egito e na Tunísia, mas como umas guerra civil real, em consequência de uma divisão no grupo dominante. Quem quer que seja que tenha feito o primeiro movimento explorou o descontentamento contra o clã Kadafi, que prevalece especialmente entre as populações da Cirenaica e entre jovens nas cidades, num momento em que toda a África do Norte tomou o caminho da rebelião. Ao contrário do Egito e da Tunísia, contudo, o levantamento líbio foi planejado previamente e organizado.
As reações na arena internacional também são simbólicas. Pequim disse estar extremamente preocupada acerca dos desenvolvimentos na Líbia e apelou a “um rápido retorno à estabilidade e normalidade”. A razão é clara: o comércio sino-líbio experimentou crescimento forte (cerca de 30 por cento só em 2010), mas agora a China verifica que toda a estrutura das relações econômicas com a Líbia, da qual importa quantidades crescentes de petróleo, foram postas em causa. Moscou está numa posição semelhante.
O sinal de Washington é diametralmente oposto: o presidente Barack Obama, quando confrontado com a crise egípcia, minimizou a repressão desencadeada por Mubarak e apelou a uma “transição ordenada e pacífica”, mas condenou o governo líbio em termos inequívocos e anunciou que os EUA está preparando “o conjunto completo de opções que temos disponíveis para responder a esta crise”, incluindo “ações que possamos empreender por nós próprios e aquelas que possamos coordenar com os nossos aliados através de instituições multilaterais”.
A mensagem foi clara: há a possibilidade de um intervenção dos EUA/OTAN na Líbia, formalmente para interromper o banho de sangue. As razões também são claras: se Kadafi for derrubado, os EUA seriam capazes de fazer ruir toda a estrutura das relações econômicas com a Líbia, abrindo o caminho para multinacionais com base nos EUA, até agora quase totalmente excluídas da exploração das reservas de energia na Líbia. Os Estados Unidos poderiam então controlar a torneira de fontes de energia sobre as quais a Europa depende amplamente e que também abastecem a China.
Trata-se de acontecimentos no grande jogo da divisão dos recursos africanos, pelos quais uma confrontação crescente, especialmente entre a China e os Estados Unidos, está a verificar-se. A potência asiática em ascensão – com a presença na África de cerca de 5 milhões de administradores, técnicos e trabalhadores – constrói indústrias e infraestrutura, em troca de petróleo e outras matérias-primas.
Os Estados Unidos, que não têm condições de competir a este nível, podem utilizar a sua influência sobre as forças armadas dos principais países africanos, as quais são treinadas através do Africa Command (AFRICOM), o seu principal instrumento para a penetração do continente. A OTAN agora também está entrando no jogo, prestes a concluir um tratado de parceria militar com a União Africana, a qual inclui 53 países.
A sede da parceria da União Africana com a OTAN já está em construção em Adis Abeba: uma estrutura moderna, financiada com 27 milhões de euros da Alemanha, batizada de “Edifício paz e segurança”.


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O Pensamento de Milton Santos


O Pensamento de Milton Santos
(10 anos sem Milton Santos)
9ª Semana de História
8º Congresso Curitibano de Geografia
Curitiba 15 a 20 de agosto 2011
  Faculdades Espírita
Rua Tobias de Macedo Júnior, 333 – Barigui, Curitiba PR.
Local: Auditório Chico Xavier

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

OGUM


EU SOU O AÇO
                           E O BRAÇO
                          DE QUEM O FAZ.

EU SOU A TECNOLOGIA
E A MÃO CALEJADA
                  DE QUEM SEM ELA TRABALHA.
EU SOU O CAMINHO,
 EU SOU A PAZ  
E A LUZ DO FAROL QUE TE GUIA.

MAS SOU A GUERRA,  
A ESCURIADAO DA NOITE,
A LÂMINA AFIADA.
E O FOGO DA IRA.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

CARTA AOS QUILOMBOS


*por:  Luiz Henrique Fontes   
África de Quilombos unificados levanta-te a fortalecer nossa cor da noite, nossa ancestralidade, nossas línguas, nossas lendas e nossas histórias, a resgatar nossos heróis.
África de Quilombos unificados proteja nossas mães de ventres fartos, nossos filhos e filhas guerreiros incansáveis, nossa comida sagrada, nosso manto da noite.
África de Quilombos unificados acorda em gritos tribais e de que deles se façam ouvir nossos cantos sagrados pelos cantos do mundo, nossos orixás levantarão de nossas cabeças, e da espuma do mar nossa alma buscará a justiça.
África de Quilombos unificados levante teus braços contra toda a escravidão do racismo que ainda nos persegue, que o espírito dos nossos heróis entre por nossas cabeças para erguermos nossas mãos em um gesto de basta.
Que a hipocrisia dessa paz que nos oferece a morte na palavra de quem não tem cor nem alma queime nas suas línguas e que a verdade se faça na voz da noite a nos trazer uma nova realidade.
África de Quilombos unificados em um ato de reconhecimento de si grite ao mundo somos um leão adormecido não morto, que irmãos de todas as noites levantem suas vozes e a vassoura sagrada varra para a morte todo o racismo e mostre nossa força, pois da força dos nossos heróis manteremos nossos filhos  e filhas e nossa Fé vivos.

         Curitiba 3 de agosto de 2011

OGUNHÊ

Terrorista louro de olhos azuis

por* Frei Betto, Escritor e assessor de movimentos sociais
Adital

Preconceitos, como mentiras, nascem da falta de informação (ignorância) e excesso de repetição. Se pais de uma criança branca se referem em termos pejorativos a negros e indígenas, judeus e homossexuais, dificilmente a criança, quando adulta, escapará do preconceito.

A mídia usamericana incutiu no Ocidente o sofisma de que todo muçulmano é um terrorista em potencial. O que induziu o papa Bento XVI a cometer a gafe de declarar, na Alemanha, que o Islã é originariamente violento e, em sua primeira visita aos EUA, comparecer a uma sinagoga sem o cuidado de repetir o gesto numa mesquita.

Em qualquer aeroporto de países desenvolvidos um passageiro em trajes islâmicos ou cujos traços fisionômicos lembrem um saudita, com certeza será parado e meticulosamente revistado. Ali reside o perigo... alerta o preconceito infundido.

Ora, o terrorismo não foi inventado pelos fundamentalistas islâmicos. Dele foram vítimas os árabes atacados pelas Cruzadas e os 70 milhões de indígenas mortos na América Latina, no decorrer do século 16, em decorrência da colonização ibérica.

O maior atentado terrorista da história não foi a queda, em Nova York, das torres gêmeas, há 10 anos, e que causou a morte de 3 mil pessoas. Foi o praticado pelo governo dos EUA: as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Morreram 242.437 mil civis, sem contar as mortes posteriores por efeito da contaminação.

Súbito, a pacata Noruega – tão pacata que, anualmente, concede o Prêmio Nobel da Paz – vê-se palco de dois atentados terroristas que deixam dezenas de mortos e muitos feridos. A imagem bucólica do país escandinavo é apenas aparente. Tropas norueguesas também intervêm no Afeganistão e deram apoio aos EUA na guerra do Iraque.

Tão logo a notícia correu mundo, a suspeita recaiu sobre os islâmicos. O duplo atentado, no gabinete do primeiro-ministro e na ilha de Utoeya, teria sido um revide ao assassinato de Bin Laden e às caricaturas de Maomé publicadas pela imprensa escandinava. O preconceito estava entranhado na lógica ocidental.

A verdade, ao vir à tona, constrangeu os preconceituosos. O autor do hediondo crime foi o jovem norueguês Anders Behring Breivik, 32 anos, branco, louro, de olhos azuis, adepto da fisicultura e dono de uma fazenda de produtos orgânicos. O tipo do sujeito que jamais levantaria suspeitas na alfândega dos EUA. Ele "é dos nossos”, diriam os policiais condicionados a suspeitar de quem não tem a pele suficientemente clara nem olhos azuis ou verdes.

Democracia é diversidade de opiniões. Mas o que o Ocidente sabe do conceito de terrorismo na cabeça de um vietnamita, iraquiano ou afegão? O que pensa um líbio sujeito a ser atingido por um míssil atirado pela OTAN sobre a população civil de seu país, como denunciou o núncio apostólico em Trípoli?

Anders é um típico escandinavo. Tem a aparência de príncipe. E alma de viking. É o que a mídia e a educação deveriam se perguntar: o que estamos incutindo na cabeça das pessoas? Ambições ou valores? Preconceitos ou princípios? Egocentrismo ou ética?

O ser humano é a alma que carrega. Amy Winehouse tinha apenas 27 anos, sucesso mundial como compositora e intérprete, e uma fortuna incalculável. Nada disso a fez uma mulher feliz. O que não encontrou em si ela buscou nas drogas e no álcool. Morreu prematuramente, solitária, em casa.

O que esperar de uma sociedade em que, entre cada 10 filmes, 8 exaltam a violência; o pai abraça o filho em público e os dois são agredidos como homossexuais; o motorista de um Porsche se choca a 150km por hora com uma jovem advogada que perece no acidente e ele continua solto; o político fica indignado com o bandido que assaltou a filha dele e, no entanto, mete a mão no dinheiro público e ainda estranha ao ser demitido?

Enquanto a diferença gerar divergência permaneceremos na pré-história do projeto civilizatório verdadeiramente humano.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Paisagens da alma de Paulo Moura

por* Rafael Costa 
Livro conta a trajetória da consolidação do músico como solista em entrevistas à sua esposa, a escritora e psicanalista Halina Grynberg
“Se ele se perder dentro de casa, a gente acha”. A brincadeira, citada pela escritora e psicanalista Halina Grynberg como uma das descrições possíveis para o saxofonista, maestro, compositor e arranjador Paulo Moura, tem mais significado do que parece. Diz sobre um traço de ingenuidade na personalidade do músico, mas o torna ainda mais complexo – afinal, ao mesmo tempo, era genial e organizado, e é considerado um dos mais importantes nomes da música brasileira. “O Paulo tinha um caráter que era surpreendente nos detalhes”, diz Halina, autora do recém-lançado Paulo Moura, Um Solo Brasileiro (Casa da Palavra, 2011), e esposa do músico durante 26 anos.

Em cerca de 20 horas de entrevistas a Halina, gravadas entre 2008 e 2009, Moura conta trajetória da sua consolidação como músico solista, desde seus primeiros passos no estudo do piano, aos 9 anos, passando pela sua mudança de São José do Rio Preto (SP) para o Rio de Janeiro, onde atuou como ensaiador e arranjador de orquestras de rádio e tevê, até chegar às gravações de discos importantes na década de 70, já como instrumentista reconhecido. Paulo também fala sobre a família, referências estéticas e reflexões conceituais sobre a música.

Em meio às respostas, Halina faz observações, explica o imprevisível fluxo de pensamentos do entrevistado, descreve expressões corporais e narra pequenos momentos do cotidiano do casal. “Trazer esses momentos foi a maneira de trazer o Paulo para perto do público e, ao mesmo tempo, trazer um relato que só eu conheço”, diz a autora. “Não é o jornalismo do fato. São paisagens da alma”, diz.

Trajetória
Veja alguns dos principais momentos da carreira de Paulo Moura contados no livro:
15 de julho de 1932
Nasce em São José do Rio Preto (SP).
1941
Ganha a primeira clarineta.
1945
Muda-se com a família para o Rio de Janeiro.
1951
É contratado como primeiro saxofonista solista da Orquestra de Oswaldo Borba na Rádio Globo.
1956
Grava “Moto Perpétuo”, de Paganini, seu primeiro disco de 78 rotações solo.
1958
Viaja para a então União Soviética, acompanhando os cantores Nora Ney, Jorge Goulart, Dolores Duran e Maria Helena Raposo.
1959
Fica em primeiro lugar no concurso para clarinetista do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
1962
Grava, com Sergio Mendes e o baixista Otavio Bailly, o LP Cannonball Adderley e o Bossa Rio.
Entre 1969 e 1971
Grava quatro LPs com a gravadora Equipa, em parceria com músicos como Wagner Tiso.
Dos anos 1970 aos anos 2000
Já reconhecido como artista solo, foi arranjador, regente, diretor artístico e compositor em discos, trilhas sonoras para teatro, tevê e cinema. Com mais de 40 discos lançados, ganhou o Grammy em 2000.
12 de julho de 2010
Morre, no Rio de Janeiro, vítima de um câncer no sistema linfático.


Solo

De acordo com Halina, Moura tinha como “profissão de vida” dedicar-se exclusivamente à própria música. Ele aceitava fazer direções artísticas e arranjos para alguns artistas, como foi o caso de Marisa Monte. Mas, se fosse para subir ao palco, teria que ser “lado a lado” com os nomes principais. “Para ele, o palco era um lugar sagrado”, diz.
Para isso, enfrentou dificuldades, já que o espaço para este tipo de artista era escasso em sua época. “Ser negro também o transformou em excepcionalidade”, lembra Halina, que recebeu, dias após a morte de Moura – de câncer linfático, em 12 de julho de 2010 –, um certificado do Congresso norte-americano em reconhecimento ao papel do músico na superação do racismo por meio da união da música erudita, do jazz e da música das ruas do Rio de Janeiro. “Ele reinventou a percussão afro-brasileira. A música do Paulo tem um gingado e um deslocamento que é tipico da rítmica africana”, diz Halina, que vê nessas ideias uma “provocação criativa”. “O natural e o ideológico são visceralmente compostos no Paulo”, diz.
Legado
Halina conta que Moura pediu que ela continuasse o seu trabalho. Pa­­ra isso, criou o Instituto Paulo Moura, que não tem sede física ou re­­cursos, mas que deverá ser conduzido aos moldes de um movimento artístico. “Este livro é um manifesto”, diz a autora. “O que ele queria era passar essa matriz para novas gerações, produzir músicos instrumentais brasileiros de qualidade”, diz. “Paulo é um da­­queles heróis impregnados de fé, que têm um dever com a comunidade. São anjos guias, que se sentem com essa responsabilidade”, diz. “Por isso, ele nunca cessou esforços.”
  
*publicado: gazeta do povo-01/08/2011|