quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

'Senti-me acolhido pelos detentos', diz ator preso por engano no Rio

publicado: folha.com.br

O ator Vinícius Romão, 27, que ficou preso por 16 dias após uma identificação falsa, recebeu a imprensa em seu apartamento na tarde desta quarta-feira e contou como foi esse tempo na Casa de Detenção Patricia Acioli. "Há muitos Vinícius lá dentro, e me senti acolhido pelos detentos", afirmou.

Romão foi solto por volta das 13h de hoje e foi direto para o apartamento onde mora sozinho no Méier, zona norte do Rio, acompanhado pelo pai, Jair Romão, e pelo advogado Rubens Nogueira. No apartamento, foi recebido por cerca de 50 amigos, vizinhos e jornalistas.

Pálido e aparentemente mais magro, Romão chorou e cumprimentou um a um antes de falar com a imprensa. Ele disse que não guarda mágoas ou rancor da mulher que o acusou. "Ela foi vítima", resumiu. Já sobre a atuação da polícia, ele preferiu não comentar, designando ao advogado a informação.
Gabriel de Paiva/Agência O Globo

O ator e vendedor Vinícius Romão de Souza foi solto agora no começo da tarde desta quarta-feira

PRESÍDIO

"Quando cheguei no presídio, rasparam a minha cabeça e perguntaram sobre qual facção eu pertencia, e eu respondi que era neutro", relatou Romão.

Na cela em que ficou até ontem, quando foi expedido seu mandato de soltura, ele ficou com presos por crimes de tráfico de drogas e agressão doméstica. De ontem para hoje, ele detalha, passou a noite com outros 14 homens numa cela onde haviam três beliches.

"Dormi no chão sobre papelão. O líder chegou a me sugerir pedir a declaração da faculdade para eu ser transferido para uma cela especial, mas preferi ficar aonde estava para não ficar sozinho", contou.

O ator descreveu que, na unidade prisional, tinha direito a três refeições (café da manhã, almoço e jantar) e quatro banhos de dez minutos cada. No banho, como ele ressaltou, eles aproveitavam para encher recipientes com água do chuveiro para tomarem.

"Lá eu li 'Poliana' e a maior lição disso tudo é aproveitar cada minuto da vida", disse. "No uniforme vem escrito 'Seap - Ressocialização', só que não acredito que quem está lá possa sair melhor que entrou, pois falta recursos, oficinas, palestras, algo para fazer. Muitos se apegam à palavra de Deus."

"Há muitos Vinícius lá dentro, e me senti acolhido pelos detentos. Quando me mudaram de cela ontem, não me avisaram que ia ser solto, mas falaram que a minha prisão estava repercutindo em todo país, e esta foi a informação que eu precisava para manter a calma e a única coisa que não poderia esquecer, a esperança."

PRISÃO

Vinícius Romão relatou que na noite em que foi preso um policial o abordou no momento em que voltava a pé para casa. Ele estava de camisa preta, com celular preso ao braço ouvindo música e sem mochila ou bolsa no corpo, o que poderia sustentar a suspeita do roubo.

"Eram dois caras e a mulher. Um deles pediu para eu virar e apontou uma arma para as minhas costas. Eu disse 'braço (gíria para designar alguém forte), não sou eu quem vocês estão procurando. Não entenderam", explicou Romão sobre o fato de a polícia ter dito que o acusado estaria escondendo a bolsa roubada ao braço.

Vinícius Romão negou ter sido vítima de racismo mas contou que não teve seus direitos preservados. "Muito tem que ser revisto. As condições de higiene são desumanas. Só pude ligar para o meu pai no dia seguinte."

Recém-formado em Psicologia, Romão anunciou que, após descansar, pretende retomar seu cargo de vendedor de roupas na unidade da loja Toulon instalada no Norte Shopping. Com relação à carreira de ator, ele, que atuou na novela "Lado a lado", da TV Globo, sutilmente, deixou clara sua vontade em fazer um curso de formação.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

“12 Anos de Escravidão” Herança racista

Cloves Geraldo *
publicado:vermelho.org.br

Cineasta anglo-africano Steve McQueen retoma o tema da escravidão para mostrar a permanência do racismo

Nefasta herança do sistema escravocrata, o racismo continua a assumir as mais diversas facetas, do preconceito ao diferente à disfarçada adoção de termos, como clean (limpo) ou aloiramento dos cabelos para estar na moda. Daí parecer ficção o filme que o cineasta afro-britânico Steve McQueen e seu corroteirista John Ridley estruturaram a partir das memórias do músico, escritor e abolicionista estadunidense Solomon Northup, “12 Anos de Escravidão”, lançada em 1853.

Do século XV, inicio do tráfico de escravos, ao século XIX foram vendidos 14.650.000 de africanos aos EUA (2). Na metade deste último, os afro-descendentes e os ex-escravos já circulavam como libertos no Norte dos EUA. Mesmo assim, no Sul, essencialmente agrícola, perdurava a escravatura. McQueen, em síntese exemplar, revela-o do instante em que o escravo, nativo ou africano, se torna mercadoria e tem seu preço fixado pelo leilão de cativos até chegar à fazenda. Ele não tem voz, apenas se submete.

Escravos são cotados em leilão

O leilão de escravos é um circo de horrores. Eles, homens, mulheres e crianças, são classificados segundo sua complexão física, saúde e habilidades laborais. E, uma vez precificados, são expostos nus diante dos compradores. Concluído o “pregão”, filhos são separados dos pais, irmãos dos irmãos, a família se desintegra. As sequências em que os filhos pequenos de Eliza (Sarah Paulson) são levados pelo comprador e seu choro constante, já na fazenda, corroem as entranhas dos mais insensíveis. 

Também a experiência de Northup, como escravo liberto, nada lhe serve. Ele se esmera em ser útil ao senhor de escravos Ford (Benedict Cumberbatch), para reconquistar a liberdade, mas sua solução para o transporte de madeira rende lucros a seu dono, mas só lhe traz problemas. McQueen ao ressaltar sua atitude mostra o quanto o senhor de escravos lucrava: como dono e como empresário. Northup, agora Platt, é, assim, duplamente rentável: como mercadoria e mão de obra, sem recompensa alguma.

Ocorre que no sistema escravocrata o escravo não é dono de sua força de trabalho, ele está à mercê dos interesses de seu dono. Serve como moeda de troca, penhora, empréstimo e venda. Platt hesita quando Ford, endividado, lhe diz que irá trabalhar na fazenda do poderoso Pepps (Michael Fassbender). É onde seu aprendizado de escravo se completa. É notável a clareza de McQueen para fazer o espectador entender a trajetória de Platt de ex-escravo esperançoso a ser humano mutilado.

Escravo é mula de carga

No sistema escravocrata, diz Northup/McQueen, o escravo passa do sonho à desilusão, dado ao tratamento de mula de carga que recebe. Deve suportar sempre mais às costas. De Platt e dos demais escravos, na fazenda de Pepps, é sempre exigida mais produção/colheita de algodão. Então ele, ao entender isto, perde a ilusão de libertar-se pelo esforço no trabalho. Não só pelo que sofre, mas pelos castigos impostos a Patsey (Lupita Nyong´o). As costas dela ficam em carne viva. E a autoestima e o ego se despedaçam.

McQueen não deixa de fora nenhuma etapa da desumanização perpetrada pelo sistema escravagista. Inclusive o uso da religião, dos versículos bíblicos, para sustentar os castigos e impingir medo ao escravo. Pepps, a cada chicotada em Patsey, cita um deles. Ao escravo era negado seu próprio ritual religioso. A exemplo do que fazem hoje certas igrejas evangélicas no Brasil ao invadir terreiros espíritas onde os afrodescendentes realizam seus rituais. Confundem, assim, culto aos orixás com rituais satânicos e só geram medo.

Notável a capacidade de McQueen em tratar de suas raízes e ser fiel à memória e luta de Northup. Embora Alex Hayley (1921/1992) tenha abordado este tema, em sua obra “Raízes”(1976), transposta para uma série televisiva de sucesso (1977), ele é mais contundente e corajoso. Não negligencia a contribuição dos afro-descendentes, como Steve Spielberg, em “Lincoln” (2012), que mostra a abolição como contribuição exclusiva deste, ou trata a luta do escravo como uma história de heroísmo, igual a Quentin Tarantino, em “Django Livre” (2012).

O Platt, de McQueen é o escravo que viveu as experiências de liberto e de cativo e entendeu a necessidade de organizar os seus para conquistar a abolição. Não foi um herói solitário do western, mas um revolucionário, que se entregou a causa de seu povo. Além disso, McQueen, ainda que tenha construído um filme de linguagem e estética clássica, soube fazê-lo usando os recursos com precisão e maestria. Adverso do que fez em “Shame” (2011), com cenas curtas, cortes rápidos, planos aproximados, closes. É um cineasta cuja estética serve ao seu tema.

“12 Anos de Escravidão”. (“Years a Slave”). Drama. EUA/Reino Unido. 2013.133 minutos. Fotografia: Sean Bobbit. Roteiro: Steve McQueen/John Ridley, baseado na biografia homônima de Solomon Northup. Direção: Steve McQueen. Elenco: Chiwetel Ejiofor, Michael Fassbender, Lupita Nyong´o, Sarah Paulson, Benedict Cumberbatch.

(*) Bafta 2014 (prêmio inglês): Melhor filme e Melhor ator (Chiwetel Ejiofor)

(*) Globo de Ouro 2014: Melhor filme.

(1) “12 Anos de Escravidão”, Northup, Solomon, 232 págs, 2013, Editora Seoman.

(2) Franklim, Hope John; Moss, Jr., Alfred A., Da Escravidão à Liberdade, A História do Negro Americano, 1989, pág.51, Editora Nórdica, 


* Jornalista e cineasta, dirigiu os documentários "TerraMãe", "O Mestre do Cidadão" e "Paulão, lider popular". Escreveu novelas infantis, "Os Grilos" e "Também os Galos não Cantam".

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Conmebol diz que não tem como conter racismo de torcedores

publicado: gazeta do povo -

Presidente da entidade afirmou ainda que "o racismo não está ligado só ao futebol". Jogador Tinga foi alvo de manifestações racistas em jogo do Cruzeiro na Libertadores

O presidente da Conmebol (Confederação Sul-Americana de Futebol), Eugenio Figueredo, repudiou o caso de racismo contra o volante Tinga, do Cruzeiro, em jogo da última quarta-feira, no Peru, mas ressaltou as dificuldades em conter as atitudes dos torcedores.


O jogador do time mineiro entrou aos 20 minutos do segundo tempo na derrota por 2 a 1 para o Real Garcilaso, pela Taça Libertadores, em Huancayo, a 300 km de Lima (Peru). Quando tocava na bola, a torcida imitava macacos.

"A Conmebol se preocupa, mas o racismo não está ligado só ao futebol. Isso acontece em diversas áreas. E nesse caso específico, não foi de jogadores. Foi um ato racista de torcedores. Não temos como segurar torcedores. Mas a Conmebol lamenta que isso ainda aconteça em estádio de futebol", disse Figueredo, que está em Florianópolis para acompanhar o seminário das seleções que jogarão a Copa do Mundo, realizado pela Fifa.

O mandatário da entidade, que não determina a possível pena ao Real Garcilaso, ressaltou ainda que o caso está sendo analisado pela Unidade Disciplinar da Conmebol.

A reportagem apurou que a orientação do Comitê Disciplinar da Fifa, que serve de base para as confederações, em casos de racismo envolvendo torcedores é o de, na primeira vez, punir o clube com multa e obrigá-lo atuar com portões fechados.

Apenas na reincidência o time é punido mais severamente, com perda de pontos, rebaixamento e até eliminação da competição.

Cinco casos de racismo julgados por Fifa e pela Uefa (União Europeia de Futebol), em 2013, semelhantes ao de Tinga, resultaram em jogos com portões fechados.

No ano passado, o combate ao racismo foi considerado prioridade para a Fifa, que criou um código com as possíveis punições.

Australiana foi presa por agredir e ofender manicure negra em Brasília

Louise Stephanes disse no salão de beleza em Brasília que não queria ser atendida pela profissional negra por ela ser de "raça ruim"

A australiana que foi presa em Brasília, acusada de agredir e ofender uma manicure negra em um salão de beleza, responde por outros processos de racismo na Companhia Energética de Brasília (CEB), onde trabalha. Na última sexta-feira ((14), a secretária Louise Stephanes, de 30 anos , disse que não queria ser atendida pela profissional negra por ela ser de "raça ruim".

Em nota divulgada nesta segunda-feira (17), a CEB afirma que "a empregada Louise Stephanes Garcia Gaunth já responde a mais de uma sindicância, dentre outros motivos, por indícios de atitudes racistas". Ao fim das investigações, o resultado será encaminhados ao Ministério Público.

Na nota, a companhia informa também que avalia quais medidas administrativas podem ser tomadas em relação ao crime que a australiana teria cometido no fim de semana.

Revoltada, a dona do salão acionou a polícia na última sexta. Ao ser abordada por um policial militar negro, Stephanes gritou para que ele não falasse com ela. Ela foi presa em flagrante, mas no sábado (15) conseguiu um habeas corpus e responderá pelo crime em liberdade. Nesta segunda, ela não compareceu ao trabalho.

Telefone

Na manhã desta segunda-feira, o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, lamentou o ato da australiana.

"O racismo é lamentável em qualquer situação e é por isso que o governo do Distrito Federal tem políticas públicas de combate à discriminação, como, por exemplo, o disque-denúncia. E a população tem consciência disso, tanto que a denúncia de racismo foi feita pelas pessoas que estavam no salão de beleza. Uma atitude que merece nosso respeito e prova que a população de Brasília não aprova o racismo."

Desde março do ano passado, quando o Disque Racismo (156) foi criado no Distrito Federal, 126 casos do crime foram confirmados, uma média de 11 por mês. As denúncias são avaliadas pela Ouvidoria e encaminhadas para o Ministério Público.

O secretário de Igualdade Racial, Viridiano Custódio, afirma que o Disque Racismo facilita a identificação desse tipo de crime, pois nas delegacias muitos atos são registrados apenas como injúria racial.

A falta de informação faz com que muitas vezes uma pessoa que cometeu racismo tenha uma pena mais branda pelo crime ter sido registrado como injúria racial. A injúria consiste em ofender a honra de alguém com a utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem. Nesse caso, a pena é menor, o suspeito paga fiança e fica livre. No racismo é diferente. É quando alguém discrimina um determinado grupo ou coletividade a pena pode chegar a três anos de prisão.

Ainda de acordo com o secretário, a manicure que sofreu a agressão foi procurada e orientada a registrar a queixa também pelo Disque Racismo. O caso já é investigado pela 1.ª Delegacia de Polícia.

Segundo testemunhas, a suposta agressora tem cerca de 30 anos e entrou no estabelecimento para fazer as unhas do pé. A primeira pessoa que ela ofendeu foi uma manicure, que preferiu não se identificar por se sentir envergonhada. A profissional foi contratada pelo salão há uma semana.
A suposta agressora foi levada para a delegacia e foi transferida neste sábado (15) para a Penitenciária Feminina do Gama (Colmeia). Segundo a Polícia Civil, ela vive regularmente no Brasil há cinco anos e já foi detida por dirigir sob efeito de álcool.

A Polícia Civil informou que mulher foi presa por racismo e não por injúria racial porque disse que não poderia ser atendida pela funcionária negra. Ela cometeu segregação racial ao afirmar que a profissional não poderia executar o serviço por ser de "raça ruim".

O encaminhamento para a penitenciária da Colmeia comprova que ela foi enquadrada por racismo, segundo a polícia. Se fosse por injúria, ela teria assinado um termo de comparecimento à Justiça e deixaria a delegacia. O crime de racismo é inafiançável. A suspeita pode permanecer presa por até um ano.

"Ela chegou e perguntou se havia alguém que pudesse fazer o pé dela. A recepcionista disse que sim, então ela sentou. Quando ela viu que seria eu, disse que não queria", lembra a manicure. "Fiquei sem graça. Aí a menina disse que tinha então outra pessoa, e ela respondeu que podia ser a outra, porque ela era um pouco mais clara. Ela disse que eu era escura demais para fazer a unha dela."

Minutos depois, a suposta agressora teria se incomodado com a presença da manicure e pedido que ela se retirasse. "Ela disse: 'dá para você se retirar? Sua presença está me incomodando. Eu não quero que você fique perto de mim'. Subi na hora, não conseguia parar de chorar", conta a profissional.

Dona do salão, Eliete Lima de Carvalho cuidava do cabelo de uma cliente e só percebeu o problema quando viu a manicure chorando. A proprietária subiu as escadas para o banheiro atrás dela para saber o que havia acontecido e, depois, voltou ao salão para exigir que a cliente se desculpasse.

"Ela disse que não ia se desculpar, que não tinha feito nada de errado. E aí começou a falar do trabalho da outra manicure, dizendo que ficou uma porcaria, que não ia pagar. Outra cliente, que é morena, ficou irritada e pediu para ela abaixar o tom, então ela disse 'eu não sei por que essas pessoas de raça ruim insistem em falar comigo'. Precisei segurar a menina, que queria bater nela", conta Eliete.

A discussão evoluiu para bate-boca e gritaria. A dona do salão acionou a Polícia Militar, mas a suposta agressora tentou fugir. Eliete afirma que pediu mais uma vez que ela se desculpasse, que a situação poderia ser contornada se ela reconhecesse que errou. "Ela disse que queria ver quem iria prendê-la por isso", diz a proprietária.

Abordada por um PM negro, a australiana ainda teria gritado para que ele não dirigisse a palavra a ela. A cliente ofendida, as funcionárias, a dona do salão e a cliente de quem ela cuidava, que é advogada, foram para a delegacia prestar depoimento.

Assustada e desconfortável, a manicure que não quis se identificar disse que nunca passou por isso antes. "Ela insistiu que não queria nenhum de nós, pretos, falando com ela. Disse que éramos raça ruim", conta.

De acordo com os dados mais atualizados disponíveis no site da Secretaria de Segurança Pública, houve 409 crimes raciais em 2012 no DF.

Protesto
Indignada com a situação, Eliete decidiu trabalhar com o cabelo o mais volumoso possível neste sábado. "Não admito funcionário tratar mal cliente, nem cliente tratar mal funcionário. E não admito preconceito, de forma alguma", afirmou. "Ela me machucou profundamente. Agiu como se fosse melhor por não ser negra ou porque acha que ser manicure é ser inferior. Não aceito."

No momento da confusão, havia cinco clientes e nove funcionárias no salão - quatro delas, negras. O estabelecimento funciona há dez anos.

Eliete disse ainda que, pela manhã, comentou com as funcionárias que achou absurdo o ocorrido com o jogador Tinga, do Cruzeiro, vítima de racismo durante partida contra o Real Garcilaso, pela Taça Libertadores, no Peru. "Ainda falei que era inadmissível, que esse era o tipo de coisa que eu não conseguia acreditar que ainda existia."

O episódio de racismo contra o jogador ocorreu na cidade peruana de Huancayo. Tinga, que é negro, entrou no segundo tempo. Sempre que ele tocava na bola, a torcida do time da casa, fazia sons que imitavam um macaco.

publicado: agencia O Globo e  Midiacon News

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Volante Tinga revela choro do filho após racismo e pede conscientização



Alvo da manifestação racista de torcedores peruanos durante o jogo do Cruzeiro com o Real Garcilaso, em Huancayo, na quarta-feira, o volante Tinga revelou que seu filho "chorou muito" ao assistir à partida pela televisão e que não quis ir à escola nesta quinta-feira.

"Minha mulher não quis falar ontem e só falou hoje, o meu filho vendo o jogo, quando acabou, ele começou a chorar muito e hoje já não quis ir na escola. Então, eu estou preparado, porque minha vida foi de provações desde o início, mas minha família não está preparada", afirmou Tinga, em entrevista à Rádio CBN.

O volante celeste, que reagiu com serenidade à imitação de sons de macaco feita por torcedores do Real Garcilaso quando tocava na bola, revelou que o pior momento foi quando descobriu que a situação havia afetado sua família, especialmente seu filho. Segundo ele, após a partida estava "muito tranquilo" e quando chegou ao hotel ligou imediatamente para a esposa.

Indagado pelo repórter sobre o que imagina que acontecerá de agora em diante em função da grande repercussão que o caso teve, Tinga disse acreditar que é o momento de aproveitar todas as manifestações e tentar evitar a repetição de fatos tão lamentáveis.

"A vida vai continuar. Já aconteceu isso outras vezes, talvez não tenha tido a mesma repercussão. Acho que talvez chegou o momento de aproveitar que todos se manifestaram, de todas as classes, de todas as áreas, e tentar fazer uma melhoria nem que seja... como eu digo, cada um dentro de sua casa, dentro do seu convívio, a gente já tenha um ganho", observou..

Tinga manifesta confiança que o seu caso possa evitar que outras pessoas vivam situações semelhantes. "Que isso não venha a acontecer em outros jogos, em outras situações, principalmente essa diferença não só racial, mas social que é tão grande, que eu acredito é até maior", destacou.

"E não esperar ninguém. É cada um mudar dentro da sua casa, do seu convívio, dentro da educação de quem tem filho, irmão, parente. Se a gente começar a se educar em casa, consequentemente a gente vai estar educado fora", complementou.

Depois de entrar no lugar de Dagoberto no decorrer da segunda etapa, aos 19 min, no jogo com o Real Garcilaso, o volante Tinga foi constantemente vaiado pelos torcedores locais, que emitiram sons imitando macaco a cada vez que o jogador encostava na bola. Essa manifestação racista foi se agravando e aumentando o tom com o decorrer da partida.

publicado:uol.esporte.com.br

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Igualdade Racial como tática de luta contra o racismo – resposta a Yedo Edson

Edson França*


Marcelo Dias*


Muitas vezes quando um matemático foge do campo da lógica e utiliza a História (como ciência) para fundamentar e exemplificar seu argumento é desastre na certa, pois invariavelmente não tem método ou não acumulou mérito para tal. É chocante, senão revoltante ler uma narrativa histórica - cujo principal personagem foi uma pessoa negra - que infantiliza dirigentes políticos de processos revolucionários que marcaram a história do negro na humanidade. Parece coisa de branco racista, pois expressa uma concordância com aqueles que advogam a inferioridade da raça negra.

Não profane a história e contribuição dos povos negros

Verificamos no texto “igualdade Racial – Tragédia e Farsa” uma profusão tão grande de erros na analise de processo histórico que nos leva a imaginar que ou o autor é rigorosamente limitado e inconsistente teoricamente, fez o que sabia fazer, ou subestimou as capacidades analíticas dos leitores. Estão longe de serem inocentes, boçais, confiarem nos agressores e serem iludidos lutadores como Patrice Lumumba - principal liderança na luta pela descolonização do Congo enfrentou o imperialismo e o saque de riquezas das grandes potências ocidentais, se alinhou com a antiga União Soviética e obteve apoio de nações e instituições anticoloniais. Lumumba e líderes africanos como Dedan Kimathi (Quênia), Modibo Keita (Mali), Murtala Mohamed (Nigéria), Amilcar Cabral (Guiné Bissau), Samora Machel (Moçambique), Eduardo Modlane (Moçambique), Thomas Sankara (Bokina Faso), Chris Hana (África do Sul), Stve Biko (África do Sul) pagaram com a vida a luta que conduziram contra o racismo e pela descolonização africana. Segundo Carlos Moore em A África que incomoda: “Entre 1957, data da independência do Gana, e 1987, data do assassinato do último dirigente declaradamente pan-africaista, Thomas Sakara, trinca e cinco dirigentes africanos nacionalistas e pan-africanistas foram assassinados” (grifo do autor), Moore cita entre as vítimas Patrice Lumumba. As potências colonialistas utilizaram todos os meios para impedir a autodeterminação dos povos africanos os homicídios das principais lideranças anticoloniais se constituem no processo de violência política mais grave dirigida contra nações, por isso consideramos uma desonestidade teórica atribuir inocência e credo no agressor a causa do assassinato de um líder que, no contexto da Guerra Fria, mobilizou a nação, angariou apoios, pegou em armas para libertar seu país. 

Toussaint Loverture - de escravo a principal condutor da Revolução Haitiana, o mais bem sucedido levante escravo que a humanidade conheceu, enfrentou e derrotou o exército de Napoleão, na época o mais poderoso do mundo, até hoje o povo haitiano paga alto o peço pela ousadia de ter enfrentado e derrotado o colonialismo racista e escravocrata das potencias coloniais (França, Inglaterra e Espanha). A Revolução Haitiana é considerada um momento decisivo da história dos africanos nas Américas, mais ainda, a saga dos escravos, descalços, maltrapilhos, famintos e desarmados em combate heroico contra os mais poderosos exércitos coloniais do mundo, abriu os olhos das elites crioulas sobre a impotência das metrópoles coloniais em manter sob seu jugo as nações que se formavam em toda América. O Haiti inaugura um processo de independência que varreu todo o Novo Mundo. É inadmissível atribuir boçalidade a Toussaint Loverture principal protagonista desse processo. 

Lucas Dantas, Manoel Faustino, Luiz Gonzaga e João de Deus – quatro negros revolucionários da Revolta de Búzios ou Conjuração Baiana, a mais consequente e popular revolta anticolonial e antiescravista do período de dominação portuguesa. Inspirados na revolução haitiana tinham em sua plataforma o fim da escravidão, igualdade social e igualdade civil. O tema da igualdade sempre questionou a opressão e a injustiça, bem como moveu ideários revolucionários. Os conjurados foram denunciados, aprisionados e enforcados em praça pública. Esse episódio simboliza mais um capítulo da sistemática reação negra contra a opressão do Estado escravista e colonizado. Não há negros inocentes e boçais em condução de processos de enfrentamento com o poder, todos os líderes de Búzios foram hábeis políticos, lideranças incontestes dos africanos e afro-baianos, enfrentaram, conduziram a heroica luta contra dominação escravocrata e colonial. 

De modo que o texto "Igualdade Racial como Tragédia ou farsa" de Yedo Ferreira do ponto de vista histórico é uma vergonha! Puro diletantismo, que não leva a nada, utilizou exemplos inconsistentes, provocadores e divisionistas para questionar a estratégia que o movimento negro vem perseguindo. Não merece respeito e atenção porque deseduca, aliás, todos os que profanam a história do negro, dá juízo errôneo e impróprio sobre nosso passado, desrespeita a memória negra universal, dado o fato que idade não é passaporte para o bem ou para o mal, não sabemos se Yedo Ferreira erra por ignorância ou má fé, no entanto o erro merece nosso repúdio! 

Diferença sim, desigualdade não!

A luta política sempre tem determinações dadas pela correlação de forças, pelos sujeitos envolvidos, pelos interesses em disputa, pela cultura, lugar e tempo históricos, conjuntura e outros elementos. De modo que não combatemos com as armas que desejamos e nem sempre numa batalha ganha atingimos 100% dos nossos objetivos. Devemos agir a partir de um cenário concreto, quando o idealismo dirige a tática e a estratégia tornamos agentes sem capacidade de atuar sobre os fatos e sujeitos disfuncionais para construção de projetos alternativos.
Diante disso, consideramos que o movimento negro está no caminho correto, embora haja poderosos obstáculos que precisamos superar. A busca pela igualdade (econômica, social, política, civil) entre os seres humanos continua sendo uma grande utopia, um ideário perseguido por povos, Estados e nações há várias gerações, nós negras e negros brasileiros, especialmente a militância, deve ter como perspectiva na luta para construção de uma nova sociedade a igualdade nos quatro planos acima descritos.

Diferença sim, desigualdade não! Por isso propomos políticas de igualdade racial como forma de combater o racismo, é uma estratégia circunscrita para conjuntura atual, tem caráter temporário, por que sabemos que não superaremos as enraizadas desigualdades sócios políticas e econômicas entre negros e brancos só no plano da política pública, será necessária a ascensão do negro ao poder. A política de igualdade racial representa uma tática diferente das perseguidas até então pelo movimento social negro, ao invés de focar na criminalização da prática do racismo, e aprisioná-lo no campo das relações interpessoais, ou seja, entre os indivíduos: o racista e sua vítima; intervimos nos resultados sociais, políticos e econômicos decorrentes do impacto do racismo, propondo medidas que promovam a população negra. 

Através de sua negação lutamos contra a desigualdade, compreendemos como Clóvis Moura, que o racismo tem sentido político e ideológico, visa dominar povos, nações e classe social, vai para além do caráter etnicorracial, conforme Yedo Ferreira e seus asseclas defendem. Em última instância, a luta contra o racismo exige uma luta contra os que se beneficiam do trabalho, da mais valia produzida pela população negra, 50,6% dos brasileiros. Esse é o sentido que tem orientado a estratégia atual da maioria do movimento negro brasileiro e tem produzido resultados positivos, mais destacadamente, com a inclusão de negros nas universidades; proliferação de estruturas de igualdade racial em espaços da sociedade civil e governos; aperfeiçoamento da legislação de igualdade racial. Esses resultados somados não podem ser ignorados, se não tivermos capacidade de reconhecer os avanços e pactuar novas metas não sairemos do lugar. Não estamos entre aqueles que consideram que o movimento negro não avançou nos últimos dez anos, bem como não estamos entre aqueles que compreendem que a situação social, econômica e política da população negra está boa.

Respeito a diversidade e unidade na luta deve prevalecer

Compreendemos que os movimentos sociais e políticos não se constituem em espaços monolíticos, ao contrário, enriquecem com a diversidade de ideias – desde que não sejam antagônicas. Nosso desafio no movimento negro é construir unidade com diversidade e lutas comuns. No entanto, Yedo Ferreira aprisionado em tempo e espaço distintos, munido de narrativas equivocadas ou mal intencionadas, desprovido de uma compreensão mais profunda dos significados e sentidos que balizam a atual estratégia do movimento negro, se valendo de uma condição que ancestralmente respeitamos: a idade; prepara um texto confuso, ofensivo a duas lideranças negras e com claro objetivo de impor uma polêmica artificial, que só serve ao seu ego. 

Atacar de forma pessoal a nós militantes de décadas do movimento negro e militantes históricos de nossos partidos é uma tentativa de atacar todos os negros e negras do PT e do PCdo B e isto repudiamos com toda a nossa força. Somos contra o canibalismo político que tanto encanta nosso detrator.

Este senhor há muito tempo se coloca contra as políticas de ações afirmativas, contrapondo-as a luta por REPARAÇÃO, equívoco grave e primário, pois elas podem se constituírem em medidas reparatórias.

Este senhor encara a militância branca de esquerda, socialista, revolucionária, humanitária como adversária ou inimiga do movimento negro, ainda que a história de todas as lutas da diáspora africana e dos povos africanos contaram com aliança de brancos que se contrapuseram a dominação racial e de classe. Por isso, a consideramos aliadas fundamental para a luta contra o RACISMO, POR AÇÕES AFIRMATIVAS E POR REPARAÇÕES. Subscrevemos a assertiva de Solano Trindade: “Negros opressores em qualquer parte do mundo não são meus irmãos”.

Assinam

Edson França*
Presidente Nacional da União de Negros Pela Igualdade – UNEGRO
Diretor de Cultura da União das Escolas de Samba Paulistana – UESP

Marcelo Dias*
Presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/RJ
Militante do Movimento Negro Unificado / MNU/RJ